Data: 18-03-2013

De: Seremos nós veteranos de guerra?

Assunto: Dúvida existencial

Seremos nós veteranos de guerra?
Considerando o significado literal do vocábulo, quer adjectival, quer substantivo, possivelmente não o seremos. Quer pelo período temporal de desempenho militar, não muito longo na maioria dos casos, (entre 30 e 50 meses) nem muito continuado, nessa perspectiva. Sê-lo-emos talvez, como velhos e antigos militares, hoje eventualmente reformados, não da vida militar mas das suas diferentes actividades profissionais. Outros militares, alguns nossos companheiros; esses certamente veteranos, fizeram o 25 de Abril de 1974.
Há todavia outro ângulo de análise que deve obrigatoriamente ser considerado: o da experiência vivencial do Homem enquanto Jovem, versus a que experimentamos, hoje, como antigos combatentes ao serviço da Nação.
Todos nós, componentes da Companhia de Cavalaria 2333, “os Lidadores”, tal como muitos outros jovens, que encheram as fileiras de recrutados entre 1960 e 1974, enviados para as diferentes frentes da guerra colonial, obtivemos de forma directa ou indirecta uma vivência única, que alterou e seguramente fortaleceu, a idiossincrasia de cada um de nós.
Devemos lembrar-nos que dos mais de 149 milhares de mobilizados (da metrópole e locais) para os diferentes teatros de guerra, após a resolução das autonomias politicas nas diferentes colónias ultramarinas, resultaram, no final, mais de 8.200 mortos e 15.500 deficientes.
Não estarão incluídos nestes números, todos aqueles que pereceram, após o regresso, de males directamente imputáveis à sua acção militar, que não fazem parte das estatísticas. Será esse, na maioria dos casos estou certo, a experiência de muitos de nós, regressados “aparentemente” sãos e salvos.
Alguns terão, mesmo que por forma parca, alguma cobertura que o Estado resolveu contribuir para compensar males contraídos no decorrer do seu desempenho militar. Não será certamente o caso da grande maioria de todos nós.
Hoje na sua maioria, homens de mais de 65 anos, todos padecemos com maior ou menor grau de muitos males que resultam do serviço militar prestado à Nação em terras africanas. São disso testemunho, bem evidente, os nossos ossos, alguns fracturados bem como traumas psicológicos não ultrapassados.
No que a nós, Lidadores concerne, depois de 43 anos após o regresso de Angola, cada um de per si, de maneira diferenciada sem dúvida e certamente esforçada ─ uns cá em Portugal, outros fora do país ─ continuamos a contribuir para a manutenção de um País secular, com o seu trabalho e esforço, tendo em vista não só o seu bem-estar, mas sobretudo o dos seus descendentes e, claro, o do País.
Chegados ao presente estado em que o país se encontra, muitos de nós sujeitos a redução arbitrária de rendimentos após tantos anos de trabalho e sofrimento, se interrogarão, legitimamente, se esse esforço valeu a pena.
Pior. Ficaremos com a dúvida se de facto somos veteranos de guerra ou veteranos da desgraça que assola este País, desgraça para a qual não contribuímos, antes pelo contrário.
Zé Ferreira

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